A
madrugada já vai a meio em Anuradhapura. Estou desperta. A dificuldade em
acordar depois da alvorada é uma constante em viagem. Principalmente em destinos
tropicais. O quarto amplo, com fendas rústicas no telhado, permite que o
amanhecer espreite entre as frinchas. A luz ilumina um terceiro elemento.
Parece que de noite tivemos companhia. Uma sardanisca observa-me curiosa.
Lá
fora, a floresta é assombrosa na sua orquestra. O ruído é tal que me questiono
como é que os outros hóspedes se mantêm a dormir. O céu está carregado. A
densidade do ar é palpável nas pequenas gotículas que se formam na pele. Ainda é
cedo para explorar a cidade. Por isso, completamente despertos, decidimos sair
para fazer jogging. Embrenhamo-nos em ruas sombrias. Evitamos constantemente as
poças de água cinzentas, que, estáticas, espelham o céu. A chuva tem sido uma
constante desde que chegamos. E a premonição é que continue.
A
cidade acorda lentamente. As crianças são as primeiras a colocar os pés na
estrada, perfeitas no seu rigor. Vestem uniformes brancos imaculados, que não
detêm uma nódoa e onde não se esquadrinha uma ruga. As saias plissadas condizem
com mestria com as tranças negras, uma moda seguida pelas meninas cingalesas. Há
mulheres de vestidos compridos e malas ao ombro à porta de casa, que parecem
esperar por transporte. E homens que pedalam bicicletas decrépitas na berma da
estrada e nos cumprimentam com sorrisos.
Regressamos
ao hotel. O chefe da cozinha cumprimenta-nos com um pequeno almoço farto e o
mesmo sorriso com que ontem pediu para ser fotografado ao lado do Tiago.
Finalmente,
dirigimo-nos à primeira visita do dia: Mihintale aguarda-nos a poucos quilómetros
de distância. A meio do caminho, e como previsto, a chuva cai, pesada.
O Complexo de Mihintale
A lenda
Mihintale, traduzido à letra, significa colina da
Mahinda.
Reza a lenda que o imperador Asoka, chefe do Império
Maurya, presente na Índia antiga, enviou o seu filho, Mahinda, para terras
cingalesas para difundir os ensinamentos de Budha e converter as populações
locais. Ao chegar ao Sri Lanka no ano 247 a.c., mais especificamente a
Mihintale, Mahinda ensina a sua fé ao rei vigente, de seu nome
Devanampiyatissa. Esta é rapidamente acolhida pelos súbditos do rei. O monarca,
convertido, torna o Budismo na religião maioritária do país, e que ainda hoje
vigora na ilha. Mihintale torna-se então o berço da religião budista no Ceilão.
Vejja
Sala
O
primeiro local que nos salta à vista, dada a sua localização próxima da entrada
para o complexo, é o antigo hospital
(Vejja Sala). Facto impressionante é a data da sua construção: o século III
a.c., 400 anos antes do primeiro hospital ter sido edificado na Europa.
As ruínas que restam deixam-nos imaginar a disposição dos vários quartos, todos sem portas, para que a estátua de Budha, colocada no centro, pudesse velar por todos os doentes. Durante as escavações foram encontrados diversos artefactos, nomeadamente almofarizes, utilizados para formulações com ervas medicinais. Isto preconiza um enorme avanço na medicina para a época.
As ruínas que restam deixam-nos imaginar a disposição dos vários quartos, todos sem portas, para que a estátua de Budha, colocada no centro, pudesse velar por todos os doentes. Durante as escavações foram encontrados diversos artefactos, nomeadamente almofarizes, utilizados para formulações com ervas medicinais. Isto preconiza um enorme avanço na medicina para a época.
Kantaka
Cetiya
Em
todo o complexo estão presentes diversos santuários, unidos por 1840 degraus. O
mais antigo, e provavelmente um dos primeiros a ser erguidos algures no século
II a.c., é o Kantaka Cetiya. A stupa (representação simbólica da mente de
Budha) assenta numa enorme base de 130metros, com três degraus. Esta apresenta quatro
altares com figuras de animais que encaram os quatro pontos cardinais: o leão a
norte, o cavalo a oeste, o elefante a este e o touro a sul.
Dana
Salawa
Após
o segundo lanço de escadas deparamo-nos com as Placas de Mihintale, duas grande lápides preenchidas com inscrições
medievais, que detalham as regras e regulamentos seguidos pelos monges locais.
Logo atrás destas, restos de vigas de pedra, que outrora suportaram edifícios
de madeira, formam as ruínas do antigo refeitório (Dana Salawa). Destacam-se
duas colossais vasilhas vazias, escavadas em dois enormes blocos de rocha.
Estas eram carregadas diariamente por arroz, doado aos monges por locais
devotos.
Ambasthala
Dagoba
Esta
stupa, Ambasthala Dagoba, marca o local onde Mahinda encontrou o rei
Devanampiyatissa. O Aruna, o nosso motorista-guia, conta-nos que no interior da
stupa ainda lá se encontram os restos da árvore onde Mahinda converteu o rei. Em
redor deste templo erguem-se duas pequenas montanhas. Uma tem uma enorme
estátua de Budha sentado que olha, omnipresente para baixo. A outra, chamada de
Rocha da convocação, onde Mahinda convocou a população para o seu primeiro
sermão.
Estes
são apenas alguns, dos vários locais de interesse a visitar na antiga cidade.
Por ser mais pequena e viver à sombra das antigas capitais do Sri Lanka, Anuradhapura
e Polonnaruwa, é também menos visitada pelos turistas, sentindo-se uma
atmosfera mais autêntica.